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O texto abaixo, de Luiz Roberto Lopez, aborda o diferente desenvolvimento da América do Norte e da América Latina e os mitos que se construiu acerca desta questão. “Há casos em que a comparação é um instrumento histórico de escamoteação ideológica. Um desses casos é aquele em que se estabelece um paralelo entre a conquista da América do Norte pelos ingleses e a da América Latina pelos espanhóis. O paralelo é apresentado nos seguintes termos: enquanto que na América Latina a conquista precedeu a colonização, na América do Norte se deu o oposto. Aqui, um punhado de aventureiros ávidos e corajosos, entre 1519 e 1550, devassou e devastou um continente, antes que a metrópole plantasse uma estrutura colonial. Lá, tudo se iniciou com um grupo de pioneiros que, fugindo dos credores e da intolerância religiosa, buscavam uma nova terra e um novo lar. Essa diferença seria a causa mais profunda do diferente desenvolvimento das duas Américas. Argumenta-se que os espanhóis vieram para cá com o único objetivo de espoliar ao passo que os colonos ingleses que se fixaram na América do Norte eram movidos por objetivos mais profundos, como o de povoar e encontrar um lar, o que os vinculava mais estreitamente à nova terra. Semelhante argumento – como que insiste na “indolência tropical” das raças mestiças e no progressivo atraso dos países ibéricos em relação à Inglaterra – tem servido para justificar porque duas regiões, ao longo de um período cronológico relativamente idêntico apresentavam desenvolvimentos tão dispares. É verdade que o processo de conquista e colonização foi inverso nos dois casos referidos. Há, porém, outros fatores em jogo. Em primeiro lugar, na América do Norte não foram encontrados de início ouro e especiarias, o que a teria feito integrar-se imediatamente no contexto mercantilista da época. Daí resultou o fato de que lá surgiram colônias de povoamento, ao contrário da América Latina, onde se formaram colônias de exploração. Por outro lado, a fase posterior da conquista na América do Norte – o avanço rumo ao oeste – coincidiria com a implantação do capitalismo industrial, o que determinou uma fisionomia diferente ao próprio processo de penetração. Entretanto, num caso como no outro, houve uma conseqüência comum: o extermínio da população indígena. O fundamental na questão do paralelo entre as diferentes formas de ocupação das duas Américas é perceber o quanto ele tem servido para camuflar uma realidade mais profunda, a da dominação de uma América sobre a outra. Claro que a América Latina vive hoje problemas cujas raízes estão em grande parte na forma que assumiu a colonização. E o maior problema é justamente o que decorre da dependência estrutural que foi parte integrante do processo colonizatório, dependência esta perpetuada até hoje, embora como fenômeno transmutado ao longo do tempo. Atualmente, o maior beneficiário da histórica dependência Latino-americana são os Estados Unidos da América do Norte. Insistir, portanto, na origem colonial dos males do continente latino-americano, sem articulá-los com as responsabilidades da potência dominadora atual, significa emprestar ao contexto social sul-americano uma dose de fatalismo histórico que se reforça ainda mais na comparação com a “outra América”. Em tal caso, o paralelo com a América do Norte torna-se um instrumento de realimentação de um complexo de inferioridade, pois escamoteia o papel da grande potência do Norte como parte integrante e cúmplice nas misérias da América mestiça.” LOPEZ, Luiz Roberto. História da América Latina. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1986.
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