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Poesia
 
 
 
O poeta é movido pela exploração de formas. Mesmo em um poema, no qual estão inseridos diversos conceitos, há a preocupação com a busca de equivalências. Entrementes, como todo ser criativo, o poeta tenta fugir do intumescimento da cultura. Assim, seu cérebro prefere pensar em células que imantem outras células, ou seja, segmentos que por alguma razão assemelham-se a outros, mas, ao seguir tal procedimento, não deixa de perquirir o novo, aquilo que Merleau-Ponty (1974, p. 26-29) chama, por ser vivo e queimar como fogo, de linguagem falante (em oposição à linguagem falada, isto é, a já amplamente conhecida e sedimenta por convenções). A linguagem falante nos ensina. No momento mesmo em que estamos formulando algo nos surpreendemos com sua força.
Quando o poeta enriquece a língua, usa uma linguagem falante, pois entranha-a com singularidades, com novas percepções. Por isso, seu trabalho é civilizatório, porque oferece "um sentido mais puro às palavras da tribo", tal como diria Mallarmé (cf. CAMPOS, A.; CAMPOS, H. e PIGNATARI, D., 1980, p. 67)
Desse modo, pode-se dizer que há seis setores em uma cultura (o econômico, o político, o científico, o religioso, o lingüístico e o estético). Em muitas manifestações concretas na história, os dois últimos setores foram preponderantes para a edificação de uma civilização. Por isso, a poesia é alguma coisa — apesar de aparentemente inútil, no sentido de não ter aplicação direta — que move montanhas, percepções, compreensões e formas de estar no mundo. Ela também problematiza e povoa o mundo, pelo menos o de nossa imaginação.
 
 
 
Vou me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro bravo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito a beira do rio
Mando chamar a mãe-d"água.
Pra me contar histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóides à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
Lá sou amigo do rei
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.

   
   
  Manuel Bandeira